Presidente do TST defende flexibilização das leis trabalhistas

BRASÍLIA - No momento em que o desemprego está subindo, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Filho, diz que a justiça trabalhista precisa ser menos paternalista para ajudar a tirar o país da crise. Segundo ele, está na hora de o governo flexibilizar ainda mais a legislação trabalhista, como fez ao lançar o Programa de Proteção ao Emprego-PPE - que prevê redução de salário e de jornada - e permitir que empresas e sindicatos possam fazer acordos fora da CLT, desde que os direitos básicos sejam garantidos. "A Constituição permite", disse.

Aprovar o projeto que trata da terceirização, inclusive na atividade fim, também pode dar um fôlego às empresas, disse o ministro, que tomou posse na última quinta-feira. Ele defende que o TST passe a incentivar juízes trabalhistas a insistir mais na realização de acordos antes de julgar as causas e sugere que isso seja usado como critério na promoção. O ministro propõe, ainda, que o Tribunal reveja suas posições e defina parâmetros para pedidos de danos morais, que geram indenizações milionárias de "mão beijada". Na sua primeira entrevista à frente da Corte, ele disse que o problema da economia brasileira é a falta de credibilidade do atual governo, que fez opções erradas e está às voltas com denúncias "muito palpáveis " de corrupção.

O GLOBO: A decisão do STF que autoriza prisão após decisão de 2ª instância se aplica à Justiça trabalhista?

IVES GANDRA FILHO: Esse princípio, aplicado na esfera criminal, tem que ser aplicado a todas as áreas, na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal. A mesma coisa no setor privado e no setor público. Se a União está deixando de pagar precatório, se está enrolando demais, tem que dizer: olha, já teve duas decisões, você pode recorrer para ao STJ, ao STF, mas você vai ter que começar a pagar.

O que precisa para ser aplicado às demais áreas?

A decisão de um juiz ser revista por um tribunal. A partir daí, 3ª instância, 4ª instância, é só para ver se seu direito está sendo interpretado de forma uniforme em todo o país. O TST, o Supremo não têm que julgar todas as causas, não são tribunais de Justiça. A justiça se faz em duas instâncias e a uniformização é que se faz nos tribunais superiores. O que nós podemos fazer aqui no TST é interpretar os dispositivos que tratam dos recursos à luz dessa jurisprudência do Supremo. Ou seja, ser mais parcimonioso quanto a dar liminar ou cautelar suspendendo a execução.

Já não é assim?

Hoje, a execução antes do trânsito em julgado é provisória. Você pode chegar até a penhora. No caso do pagamento imediato, na maioria das vezes o trabalhador tem que pagar uma caução, porque se a situação se reverter, ele vai ter que devolver e aí diz que não tem condições porque já gastou tudo. O efeito da decisão do STF é que se vai começar a admitir que levante o dinheiro. No fundo, a gente vai ter que decidir, fazer adequações. Mas, de qualquer forma, se a 2ª instância referendou a decisão da 1ª instância, você já pode começar a executar.

A medida poderá reduzir o tempo dos processos?

Se um processo leva dez anos, cinco na primeira para a segunda instância e fica cinco parado aqui, você conseguiria um efeito imediato de reduzir esse tempo pela metade e depois esperaria para ver se referenda ou não. Acho que o mais importante não é a redução do prazo, mas a eficácia: botar o bandido na cadeia mais rápido ou então você receber mais rápido o que tem direito

A legislação trabalhista precisa de reforma?

A gente tinha que ter era uma legislação trabalhista que pegasse fundamentalmente os direitos comuns a todos os trabalhadores, como 13º salário, férias, adicional noturno, de periculosidade, horas extras, FGTS e Previdência. O que diz respeito às condições específicas de cada categoria deveria ser na base de convenção e acordo coletivo, porque quem mais entende de cada ramo são eles (empresas e trabalhadores). Defendo a prevalência do negociado sobre o legislado, semelhante àquilo que o próprio governo soltou que foi o PPE (Programa de Proteção ao Emprego do Ministério do Trabalho).

Mas o PPE não está impedindo as demissões.

O problema é que o governo, do ponto de vista econômico, não tem mais confiabilidade. Por mais isenta que a presidente Dilma esteja hoje com tudo o que houve em termos de desmandos, houve opções erradas do governo, houve desgoverno e, por outro lado, há denúncias muito palpáveis de corrupção. No momento em que você perde a credibilidade, não adianta. Qualquer outro que ocupe o lugar dela agora contará com mais confiança da população do que ela. Lembro da época do Collor que, no final do governo, montou o ministério dos notáveis. Não deu para salvar, porque já tinha passado do limite.

A reforma trabalhista poderia ajudar na crise? Como?

Não só ajudaria, mas resolveria praticamente. Por exemplo, muitas empresas pagam o transporte do trabalhador (buscam e levam) e a Justiça do Trabalho entende que é o horário que você fica está à disposição e conta como hora extra, mesmo que você esteja sentado, não fazendo esforço, não produzindo nada. A empresa poderia sentar com o sindicato, dar algumas vantagens compensatórias e flexibilizar esse disposto da CLT, que fala do tempo à disposição do empregador.

O que a própria justiça trabalhista poderia fazer para aliviar a crise?

Discutir a jurisprudência. Este Tribunal pode colaborar mais ou menos com a superação da crise econômica, se levar em consideração o efeito que pode ter uma decisão no modelo econômico.

Poderia dar um exemplo?

Hoje você tem praticamente, em toda a reclamação trabalhista, pedido de indenização por danos morais. O simples fato de eu ter sido despedido me causou uma dor tão grande diz o trabalhador. E quem sai feliz despedido? Ninguém. Mas não há nada na legislação trabalhista sobre este tema. Você pega a legislação civil e começa aplicar na Justiça do Trabalho, sem parâmetros, sem critérios. O TST poderia criar esses parâmetros. Outro exemplo é ampliação da teoria do risco: você está indo para o trabalho no seu carro e vem outro e bate em você e você se machuca muito. Quem bateu? Um terceiro. Não é que o TST entende que é acidente de trabalho e a empresa fica responsável e tem que arcar com tudo, inclusive danos morais.Tem gente que ganha R$ 100 mil, R$ 500 mil. Virou uma loteria.

A crise pode estimular acordos entre as partes?

Sim. Em vez de impor às empresas determinadas decisões que terão um impacto muito grande, o juiz deveria tentar fazer acordo. Em dissídios nacionais, chego a gastar horas, mas eu fecho o acordo e, assim, consigo evitar a greve, como foi o caso mais recente dos aeronautas. A primeira coisa que um juiz deveria fazer é tentar conciliar, depois ele vai julgar. O TST pode começar a estimular as conciliações. O juiz pode ser promovido, quanto mais conciliações ele tiver.

Os empregadores se queixam que a Justiça do Trabalho fica sempre do lado do trabalhador.

A Justiça Trabalhista continua sendo muito paternalista. No mundo não é assim. Nos EUA, tem muito mais ação na base e a maior parte de resolve através de acordo, depois de uma primeira decisão. Aqui, no Brasil, você quer ir até o Supremo. Quanto mais paternalista, principalmente em época de crise econômica, menos você contribui para superá-la. A nossa Constituição prevê a flexibilização de direitos em crise econômica. Se você não admite essa flexibilização, pensa que está protegendo o trabalhador a ferro e fogo. É como se quisesse revogar a lei da gravidade por decreto, revogar a lei do mercado. Você vai quebrar a cara. Se você pegar algumas ações, não tem condição, a gente dá de mão beijada R$ 1 milhão para um trabalhador, que se trabalhasse a vida toda não ia ganhar aquilo.

Mas a reforma trabalhista é tabu no governo do PT.

Acho que os fatos vão pressionando de tal forma que, tanto a jurisprudência, quanto as decisões governamentais, como aconteceu com o PPE, caminham para mudanças. Esse governo foi o que bateu mais contra a prevalência do acordado sobre o legislado e esse programa é claramente de flexibilização, ao permitir redução de salário e de jornada para período de crise. Os fatos vão se impor.

O TST tem se posicionado contra a terceirização na atividade-fim. Qual é a sua opinião?

Não adianta ficar com briga ideológica de que não pode terceirizar na atividade fim, só meio. Não existe mais a empresa vertical, em que você tem do diretor ao porteiro, todo mundo faz parte do quadro da empresa. Hoje, você funciona com cadeia produtiva. A gente precisa urgentemente de um marco regulatório. A única coisa que não se admite é você ter duas pessoas trabalhando ombro a ombro no mesmo local, fazendo a mesma coisa, um sendo de uma empresa e outro de outra, um ganhando a metade do salário do outro.

E sobre a decisão do governo de permitir o uso do FGTS como garantia no crédito consignado?

A finalidade do FGTS é garantir [o sustento do trabalhador] durante um tempo depois da despedida. Já existem várias exceções para o saque, como doença grave, aposentadoria, compra da casa própria e, à medida que você vai abrindo exceções para uma série de coisas que não são aquelas pelas quais ele foi criado, na hora em que você precisar, não terá nada. Do ponto de vista jurídico, é mais uma exceção; do ponto de vista econômico, de racionalização do sistema, acho que, aparentemente ajudando o trabalhador, no fundo, você está prejudicando.

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